Em histórias de nosso cotidiano, apresentamos Flavio
Monteiro de Mattos (foto), carioca de nascimento e BLUMENAUENSE
POR OPÇÃO", contando um pouco de suas
lembranças quando vinha do Rio de Janeiro visitar Blumenau, com
sua família.
BLUMENAU E SUA GENTE – UMA
PAIXÃO ANTIGA (II)
Dias atrás, foi postado um comentário no indispensável
Blog do Adalberto Day sobre uma das minhas colaborações.
Desta feita, por causa da riqueza de detalhes do
comentário, acabamos trocando e-mails e ironicamente, este cronista
geograficamente distante se tornou a ponte para restabelecer contatos entre
amigos do passado, cujos vínculos acabaram se perdendo por conta da vida adulta
que veio a seguir.
Se o fato não bastasse, é também gratificante
constatar que ainda não foi desta vez que fui traído pela memória, uma vez que
minha leitora Lígia confirma as peripécias aprontadas em várias estadas minhas,
na inesquecível Blumenau de tempo idos.
Em nossa troca de e-mails, afirma a Lígia: “Brincávamos
todos juntos, inclusive quando chegava o "primo carioca", muito
bonitinho e sapeca. Até sapo ele pegava com as mãos. Recordas disso?”.
A
casa de meus parentes ficava na Alameda Rio Branco, esquina da Rua Paraná, na
época ainda de terra e sem saída e o episódio a que ela se refere, acontecia toda vez que
caia uma daquelas tempestades de verão tão comuns nessa época do ano em
Blumenau, torrenciais embora curtas. Como durante uma fase da minha infância era
dado a ter febres ao fim de cada tarde, minha mãe somente permitia meu retorno
às brincadeiras quando não houvesse mais água empoçada e descobrimos que o
motivo impedia o rápido escoamento eram os inúmeros sapos que se escondiam nos
ralos que haviam no jardim. Ora, se os sapos impedem que a água escoe,
retiramos os sapos!
Repetimos o procedimento inúmeras vezes, mas os
anfíbios, que em grande número habitavam o local, retornavam e voltavam ocupar
os antigos esconderijos. Bastavam alguns pingos mais fortes para que se
formassem poças, que pareciam oceanos. Para resolver o problema de vez era
preciso medidas mais drásticas: retiramos os sapos de seus esconderijos e os levamos
para a calçada em frente à casa. Com o calor, os ditos buscavam novos abrigos e
assim conseguimos debelar o problema da água empoçada, até a próxima chuvarada.
Outros que
perturbavam eram os marimbondos. Faziam ninhos no beiral do telhado e volta e
meia, nos atacavam no campinho de futebol improvisado. Um dia, resolvemos
acabar com eles e arrumamos uma longa vara, com um pedaço de pano atado à
ponta. Tacamos fogo e... Fui ferrado por um maldito vermelhinho, que segundo o
Dr. Aberlardo Vianna, que me atendeu no Pronto Socorro, mais uma picada e
“tchau”...
Nesta foto, gentilmente encaminhada pela Lígia,
estão alguns dos componentes dessa “galera”, que acrescenta : “a fotinho de
infância está feinha, mal dá para reconhecer a petizada ... e infelizmente você
não está nela.”
Segue o
relato da Lígia:“Mas acho que não vais te lembrar de mim... era
vizinha de muro ou cerca (para trás do beco).
Depois da minha casa tinha "um
mato" como chamávamos, onde brincávamos muito de Tarzan, pescávamos no
rio, fazíamos “cavernas subterrâneas”, um paraíso.Ao lado desse mato,
final do beco, ex-rua Paraná e atual Rua Vidal Ramos, ficavaaquela casa da qual te
recordas, com imenso gramado e muitas árvores, que quando nos mudamos pertencia
aos Funke, proprietários de uma rádio do mesmo nome, localizada na Rua 7 de Setembro. Acho quetinham quatro
filhos.
Depois vieram morar ali o Sr. Arthur
Moellmann e Sra. Édi, que tinham 2 filhas loirinhas : Júlia e Zélia, mais ou
menos da minha idade. Júlia, a mais velha, desenhava muito bem cavalos e elas
tinham uma verdadeira mina de gibis no porão (acho que herança do tempo dos
Funke). Ainda tenho Fantasma de 1957, Tarzan, Almanaque do Chiquinho, de 1954,
etc.
Cerca da casa de meus
parentes e a da Ligia, ao fundo. Na frente da nossa tinha uma casa geminada
que pertencia à "temida" Frau Scholz, que alugava
preferencialmente para famílias dos oficiais do exército e num dos lados moraram
durante muitos anos Dr. Plácido, veterinário e pianista, Dª. Percy e seus dois
filhos Antônio José e Rogério.Todos falecidos, menos o Rogério.
A seguir vinha a casa que a Frau Scholz habitava, que
já dava frente para a Alameda, da qual te recordas. Estava sempre nos vigiando
pelas frestas das janelas e quando algum desobediente relutava em atender os
chamados, nossas mães somente apontavam para a casa da temida senhora e tudo se
aquietava.
Havia a vendinha do outro lado da Alameda, mais à esquerda, na
outra esquina, lembras? Não
saíamos de lá... dá-lhe picolé, chicletes e balinhas...
Também brincávamos com as carochas enormes que apareciam no verão, à
noite, no asfalto da Alameda, cheio de bolhas, devido ao calor. Chegava a ficar
com os dedos amarelos de tanto pegá-las para colocar uma caixinha de fósforo
pendurada nelas e vê-las carregar.
Igualmente recordo que colocávamos uma nota de papel na calçada, devia
ser de um cruzeiro, e nela amarrávamos um fio de linha quase invisível, que
ficávamos segurando por trás da cerca, atrás de um arbusto florido (na casa do
Dr. Carvalhinho). Quando as pessoas se abaixavam para pegá-la, puxávamos a nota
e morríamos de rir.
No verão andávamos todos
de bicicleta e patins nas cercanias, inclusive logo após o jantar, pois eram
tempos tranquilos.”
E eram mesmo. Tempos tranquilos e inesquecíveis.
Lembro que num desses anos, meu pai nos levou
Santiago, cidade onde nasceu, no Rio Grande do Sul.
Fomos de carro até Porto Alegre e de lá, tomamos
um trem até nosso destino. Era verão e fazia um calor abrasador. O trem era
movido a carvão e as fagulhas entravam pela janela da cabine e as opções eram
mantê-las fechadas, e derretermos no calor ou mantê-las abertas, com o risco de
incêndio da roupa de cama. Foram quase 12 horas de viagem até Santiago e quando
lá chegamos, total decepção da minha parte.
Lembro ter comentado com minha mãe que Blumenau
era muito mais bonita.
Somente
para que não pensem que sou tendencioso ao compará-la com Santiago, as fotos
acima retratam a casa onde meu pai nasceu. A da esquerda, mais ou menos nessa
época e a da direita, foto batida por ele, nesta viagem, em 1959.Salvo
engano, 37 anos depois, (ano 2014) as únicas melhorias visíveis foram o calçamento da via
e um catavento sobre a casa.
Como
imortalizado por Vinícius de Moraes “as feias que me perdoem, mas beleza é
fundamental”, inclusive as cidades!
Texto
de Flavio Monteiro de Mattos a partir de lembranças de Maria Lígia Luz Narciso
Fotos
acervo de Maria Lígia Luz Narciso e Flavio Monteiro de Mattos