03/09/2016 | N° 13921
Os guardiões da história
Descobrir, conhecer e cuidar de 166 anos – sem contar a
pré-história – é tarefa para poucos. Como se tivessem sido escolhidos por
doutor Hermann Bruno Otto Blumenau, Sueli Petry e Adalberto Day zelam pelas
memórias da cidade. Cada um à sua maneira dedica os dias a registrar e proteger
os fatos que narram o desenvolvimento da comunidade e contam hoje um pouco de
suas versões preferidas dos acontecimentos
O homem dos porquês
Um pouco da história de Blumenau está guardado em cada
cantinho da morada do professor Adalberto Day, o Beto, que aos 63 anos (em 2016) desfila
pelos causos da cidade como se fossem suas próprias memórias. A propriedade ao
falar de cada detalhe faz com que o espectador viaje para a chegada de Hermann
Blumenau, aos corredores da Empresa Industrial Garcia, aos jogos do Amazonas
Esporte Clube, deixando transparecer que sua história de vida se confunde com a
da cidade. Menino curioso desde a infância, tirava a avó Ana do sério:
– Sempre queria saber o porquê das coisas. Se a minha avó me
dizia que ia na casa da tia Maria, que morava na Rua Rui Barbosa, eu perguntava
“Onde ela mora?”, e ela dizia “Lá no Kroba”, então eu questionava “Mas onde
fica esse Kroba?”, depois descobri que era o Krohbergerbach, onde ficava a
antiga Ponte Preta. Mas chegava uma hora que ela não me respondia mais de
tantas perguntas!
Foram os porquês que fizeram o professor se transformar em
um dos guardiões da história de Blumenau, mesmo que Day nunca tenha se sentado
em um banco da faculdade de História. Formado em Ciências Sociais, ensinou a
história da cidade a muitos blumenauenses e prefere ser chamado de pesquisador
da história:
– Os historiadores dizem que não sou historiador, mas não me
ofendo, porque gosto mesmo é de pesquisar e descobrir as coisas.
E a história da cidade também passa por ele. Nome forte da
região do Distrito do Garcia, é respeitado e ouvido por muitas autoridades.
Para confirmar, registra a passagem de cada um que lhe visita em um livro de
presença como aqueles de museu, que conta com mais de 4,2 mil assinaturas desde
1998, quando foi iniciado.
Um livro foi projetado, mas a burocracia e a politicagem o
fizeram desistir da publicação. Foi então que surgiu o blog, por sugestão da
filha jornalista, em 2007. Em 10 anos de internet, Day contabiliza mais de 800
postagens contando os episódios que descobriu sobre a história da cidade e de
seus habitantes.
Entrevista, Adalberto Day
Qual seu episódio preferido da história de Blumenau?
Tenho lá no blog os mitos e verdades de Blumenau, e poderia
dizer que é o que mais surpreende. Os túneis, por exemplo, são contados de
forma totalmente errada. Falam que as freiras do Sagrada Família e do Santo
Antônio, que era ali na frente, namoravam com os padres dentro dos túneis. Mas,
olha só, isso é uma inverdade! As galerias existiam, mas eram fluviais e lá
dentro corria esgoto. Aí eu pontuo: tu achas que um padre e uma freira iam
fazer amor lá dentro, num lugar desse? Claro que não! Mas o povo gosta da
lenda, que toda cidade tem.
E qual o seu personagem preferido da história de Blumenau?
Da fundação, em primeiro lugar, o Doutor Blumenau. Depois
citaria uma das pessoas que é pouquíssimo falada, Hermann Wendeburg, que era,
digamos, um vice-prefeito. Depois citaria a família dos Friedenreich, Fritz
Muller, Os irmãos Hermann e Bruno Hering, e Gustav Salinger. E dos dias de hoje
Carlos Curt Zadrozny Felix Theiss, Lauro Bacca, Victor Fernando Sasse e Dalto
dos Reis. Na educação o Frei Odorico Durieux, Johann Heinrich Grevsmuhl,
Ernesto Stodieck Jr., também o João Medeiros Jr., fundador da Rádio Clube de
Blumenau e do Radioamadorismo em Santa Catarina, e para representar os
esportistas de Blumenau, Waldemar Thiago de Souza.
Uma saudade da antiga Blumenau que conheceu?
Tenho saudades de muitas coisas: das goiabas, das primas,
das quilicas (bolas de gude), de tanta coisa... Do Hotel Holetz (onde fica hoje
o prédio do Grande Hotel), da antiga Igreja Matriz, de pescar, brincar na rua,
jogar futebol no estádio do Amazonas e no Clube 12, mas, principalmente, do meu
pai.
INDICAÇÕES DE BLUMENAU
- Um museu: Todos são importantes, mas acho que hoje o que
está mais à frente em termos de tecnologia, modernidade, é o Museu da Hering.
- Um tesouro escondido:
Tesouros escondidos desconheço, mas temos muitas histórias
escondidas que poderão ser reveladas somente no ano de 2.050. Casos de erros
médicos, mortes... Porque as pessoas que sabiam deixaram pedidos para que
fossem revelados só dali a 50 anos.
- Um cartão-postal: O Morro do Spitzkopf.
- Um capítulo desconhecido da história: O blumenauense teria
que conhecer melhor toda a história da sua cidade, porque são vários capítulos
desconhecidos, e a história de Blumenau é muito linda e muito rica.
Foi nas páginas das antigas enciclopédias – o refúgio dos
estudantes na era pré-internet – que a menina Sueli descobriu o encanto pela
história. Ela queria conhecer o mundo e se imaginava naqueles lugares
distantes, conhecendo culturas diferentes da dela, que fora criada na pequena
Indaial dos anos 1950. A magia continuou e a levou para a faculdade de História
e para o mestrado, onde ela se viu, mais uma vez, encantada. Desta vez foram os
clubes de caça e tiro, que desfilavam sisudos e tradicionais pela Rua XV de
Novembro em um 2 de setembro longínquo, despertando a curiosidade da jovem
pesquisadora. Só mais alguns passos e o destino estava traçado: a apuração para
a tese, os primeiros contatos com o singelo arquivo histórico dos meados dos
anos 1970, uma conversa. A professora que criticava a (falta de) organização
foi alçada a arquivista oficial. Começava um longo casamento que já dura quatro
décadas:
– Está chegando a minha “expulsória” (aposentadoria
compulsória do serviço público) e acho que vou trabalhar voluntariamente,
porque 40 anos fazendo o que você ama, não dá para parar, nem posso.
Foi assim, através dos clubes de caça e tiro, que a
professora e diretora do Patrimônio Histórico-Museológico de Blumenau, Sueli
Maria Vanzuita Petry, 67 anos (em 2016), imergiu na história da cidade e se tornou uma
guardiã dos capítulos que formaram a porção de terra germano-brasileira
incrustada no Vale do Itajaí. Entre as prateleiras do Arquivo Histórico José
Ferreira da Silva ela guarda as próprias memórias, que se misturam às
lembranças dos cidadãos que doaram alguma parte de sua história para integrar a
biografia da cidade.
–No incêndio de 1958 (na antiga sede da prefeitura, onde
atualmente funciona a Fundação Cultural) foram perdidos praticamente todos os
documentos do arquivo, então foi preciso recuperar muita coisa e, para
conseguir isso, sempre contamos com as pessoas – conta, relatando o “trabalho
de formiguinha” para conquistar a confiança da comunidade.
Entrevista, Sueli Petry
Qual o seu episódio preferido da história de Blumenau?
Todas as histórias são interessantes, mas quando fui a
Hamburgo, na Alemanha, que é um dos principais portos de onde saíram os
imigrantes, e vi o rio Elba, me emocionei muito porque lembrei das cartas que
li onde eles se despediam e diziam: “Adeus, pátria querida. Estamos
atravessando o Elba para entrar no (mar) Báltico e chegar ao (oceano)
Atlântico, nunca mais te verei”. Aquilo me emocionou, as cartas e o que as
pessoas sentiam.
E qual o seu personagem preferido da história de Blumenau?
Admiro muito Gustav Salinger, Pedro Christiano Feddersen,
que foram pessoas que alavancaram o progresso, e também Alwin Schrader. Nós
temos personagens bem interessantes, os anônimos que fizeram a história e não
são lembrados, porque nós sabemos que se há o grande empresário, o grande
comerciante, nos bastidores eram os colonos e operários que eram as formigas
que carregavam a folha maior.
Uma saudade da antiga Blumenau que conheceu?
De ver a Rua XV de Novembro fervilhando de pessoas, olhando
as vitrines... Era uma Blumenau que já não existe mais, tenho plena
consciência, mas as pessoas vinham de trem, e como filha de ferroviário me
incluo nessa porque morava em Gaspar, e vir a Blumenau era como ir a São Paulo,
à grande metrópole. E tenho saudade dos passeios que se faziam com
tranquilidade, mesmo com o trânsito que existia.
INDICAÇÕES DE BLUMENAU
- Um museu: Todos têm uma particularidade, um sentimento,
não tenho uma preferência. O Museu de Hábitos e Costumes tem um glamour
diferente. Assim como o Museu da Família Colonial, que tem um valor
inestimável.
- Um tesouro escondido: São tantos! Mas acho que o
blumenauense, para descobrir os seus tesouros perdidos, ele primeiro precisa
descobrir a si mesmo. Quem é a minha cidade? O que faço pela minha cidade? Preservo
o meu patrimônio cultural? Acho que o tesouro está dentro de nós mesmos.
- Um cartão-postal: Têm vários, mas um que gosto muito é a
Igreja Evangélica.
- Um capítulo desconhecido da história:
A transição dos anos 1940 e 1950, o período após a Segunda
Guerra Mundial.
Para saber mais acesse:
ALINE CAMARGO | ALINE.CAMARGO@SANTA.COM.BR/ Fotos Patrick Rodrigues.